Feminismo(s) e Marxismo: um casamento “mal sucedido”?

Os debates das décadas de 1970 e de 1980 acerca de um "infeliz" casamento entre marxismo e feminismos (Eisenstein, 1979, Hartmann, 1981) acabam por se projectar na actualidade, perante os desafios colocados na (re)construção de uma corrente feminista de esquerda.
Não se pretende com esta comunicação reavivar todos esses debates, mas tão só extrair deles os principais pontos de referência num quadro onde as críticas pós-estruturalistas e pós-modernas não podem ser ignoradas. Apesar das críticas pós estruturalistas terem sido úteis (Foucault, Gramsci, Laclau, Mouffle) para expor alguns excessos do estruturalismo, verifica-se na actualidade um aligeiramento da importância da crítica social com origem na teoria marxista ou no próprio pensamento de Karl Marx.
A força analítica e a profundidade histórica das categorias e ferramentas marxistas para a análise da opressão das mulheres foram postas em causa pelo feminismo radical da década de setenta do século XX, com base numa questão crucial: a não valorização das relações de reprodução e, como consequência, das contradições de género na sociedade. Apesar de Marx e Engels terem afirmado que a reprodução, ou seja, a "produção de pessoas" era tão importante como a "produção de bens", pelo que o modo de produção teria esta dupla dimensão, o certo é que este pensamento não foi desenvolvido. Deste modo, são as feministas socialistas marxistas que procuram romper com um quadro estático da teoria marxista e enriquecer a análise sobre a opressão das mulheres.

Sheila Rowbotham (1972), Juliet Mitchell (1973) Zillah Eisenstein (1980), são algumas das mais destacadas feministas socialistas que atentas às críticas do feminismo radical procuram abrir campo para o feminismo socialista, introduzindo uma análise mais complexa da opressão das mulheres, tendo em conta factores como a produção, a reprodução, a sexualidade, a socialização (Mitchell, 1973). Combatem a visão estreita de que esta opressão teria apenas como base as relações de exploração capitalistas. A introdução do conceito de patriarcado pelas feministas da corrente radical é acolhido junto das marxistas, que aprofundam esta análise, no sentido do capitalismo e do patriarcado não surgirem como sistemas autónomos, mas como dois sistemas de dominação que interagiam e se alimentavam mutuamente.

Segundo a corrente feminista socialista, a divisão sexual do trabalho é essencial para a reprodução do capitalismo e para manter a subordinação das mulheres. Contudo, outros factores de dominação são considerados. As discriminações sobre as mulheres surgem não apenas na sua relação com o sistema económico, mas com o sistema de uma dominação masculina hegemónica. Não se trata de dar primazia ao género ou à classe social, mas entrelaçar estes eixos de dominação entre si e com outros, considerados esquecidos pela própria corrente socialista-marxista do feminismo, a etnia e a orientação sexual.
Apesar dos esforços das feministas socialistas marxistas para fomentarem o tão desejado reencontro entre feminismos e marxismo, os estragos de um marxismo impregnado de dogmatismo fizeram-se sentir até aos tempos actuais.
Neste século, em relação aos feminismos, está colocado um duplo desafio ao marxismo: encontrar respostas teóricas que ficaram por dar às críticas feministas das décadas de 1970 e de 1980; enfrentar os novos desafios da crítica pós-moderna lançando as bases para uma corrente feminista de esquerda, capaz de ter pensamento e acção mobilizadora face à corrente neoliberal e institucional do feminismo, que tem vindo a dominar na Europa. Neste quadro de globalização neoliberal, cabe às e aos marxistas de hoje criar condições para que a luta feminista dispute terreno ao neoliberalismo no pensamento e na agenda política.
Esta comunicação irá procurar dar alguns contributos neste sentido, focando os seguintes aspectos: contributos e limitações do marxismo; os estragos do dogmatismo; o peso da corrente neoliberal dos feminismos; ligações e tensões entre feminismo e pós-modernidade; os desafios actuais: a (re)construção de uma corrente política de esquerda dos feminismos. 

Texto de Manuela Tavares, Deidré Matthee, Maria José Magalhães, Salomé Coelho

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