18 de Março de 2011
A falta de cobertura noticiosa acerca da Costa do Marfim não significa que a situação tenha melhorado, escreve Sokari Ekine, nesta revista da semana sobre os protestos em todo o continente, que também aborda as situações no Egipto, na Líbia, na Mauritânia e no Zimbabué. Por Sokari Ekine
Costa do Marfim
Dois países africanos estão presentemente à beira da guerra civil. Um deles é noticiado minuto a minuto pela mídia internacional, pelo twitter e pelos blogues. O outro mal começa a emergir nos confins da consciência internacional. Ao contrário da Líbia, a Costa do Marfim não tem importância estratégica e a possibilidade de se perder o seu recurso principal – o cacau – não induz o pânico no mundo dos mercados financeiros e dos governos.
Mas para a subsistência dos recolectores, dos agricultores e da economia do país, o cacau é um salva-vidas e uma forte razão para se lutar. Alassane Ouattara tinha lançado o apelo à proibição temporária da venda do cacau, na esperança de que isso forçasse Gbagbo a abandonar o poder. Gbagbo reagiu agora ordenando ao governo que assuma o controlo de todas as encomendas e exportações de cacau. Os preços do cacau na Nigéria e em São Tomé subiram nos últimos meses e por certo estes países irão tirar benefícios das perdas da Costa do Marfim.
Numa escalada de ataques contra Ouattara e os seus apoiantes, o britânico Guardian noticia que gangues de jovens “saquearam” as casas de ministros e outros aliados do presidente Alassane Ouattara, que se mantém sob a protecção das Nações Unidas enquanto Laurent Gbagbo parece decidido a arrastar o país para a guerra civil.
Na sexta-feira 5 de Março, foram mortas seis mulheres, e muitas outras feridas, por tropas leais a Laurent Gbagbo. Não era a primeira vez que mulheres apoiantes de Alassane Ouattara se manifestavam pacificamente e não havia razão para pensar que seriam alvejadas. A IPS conta:
“Sirah Drane, de 41 anos, que ajudou a organizar o desfile, disse que estava a segurar no megafone, preparando-se para falar à multidão, quando viu chegar os blindados.
‘Havia milhares de mulheres’, disse. ‘E nós dissémo-nos «Eles não vão atirar contra mulheres.» … Ouvi um estampido. Começaram a molhar-nos. … Tentei correr e caí ao chão. Fui pisada pelas outras. Abrir fogo contra mulheres desarmadas? É inconcebível.?”
A mídia local tem maneiras diferentes de noticiar as mortes. O Soir Info relata que as mulhetes eram “militantes femininas” que enfrentaram as “forças de Defesa e de Segurança”. O Notre Voie [pró-Gbagbo] diz que “toda essa história não passa de um subterfúgio para desacreditar a administração de Gbagbo”.
Os assassinatos provocaram – já não era sem tempo – uma reacção dos EUA via Twitter por parte do porta-voz do Departamento de Estado, P. J. Crowley. Quanto a mim, penso que um acontecimento tão horrível mereceria mais do que uma declaração do Departamento de Estado dos EUA no Twitter. Hillary Clinton veio depois com uma declaração a condenar as mortes, mas nada se ouviu ainda da boca do presidente Obama.
A União Africana [UA] mostrou-se, também, totalmente inepta e irrelevante quanto à crise do continente – possivelmente porque muitos dos chefes de Estado estão, cada um pelo seu lado, a tremer de medo que as massas dos seus países venham para a rua. Os cinco mediadores – Abdel Aziz (Mauritânia), Jakaya Kikwete (Tanzânia), Jacob Zuma (África do Sul), Blaise Compaore (Burkina Faso) e Idriss Deby (Chade) – produziram um terceiro relatório, datado de 7 de Março. Falam de uma situação de choque e clamam por contenção entre todas as partes – os habituais eufemismos que não querem dizer nada.
Uma das reacções a essa declaração [dos mediadores da UA] é demolidora e faz a comparação com o facto de os EUA se apresentarem coo mediadores no conflito israelo-palestiniano:
“Essa UA manifestou o seu inquebrantável apoio ao escaparate estrangeiro Ouattara e seu bando de rebeldes contra o presidente Gbagbo e os Marfinenses na infeliz sequência de acontecimentos que se vai espalhando pela Costa do Marfim.
“Do que se trata realmente? Temos um partido beligerante em conflito a dizer que o outro partido beligerante tem de negociar no terreno dele – ou seja, aceitando os seus termos. O que fazer com o tempo e os recursos perdidos? … Esta farsa lembra-nos o espectáculo dos EUA a audesignarem-se como mediadores no conflito entre os Palestinianos e Israel/EUA. Será de admirar que, nesse caso, a “paz” continue a ser um objectivo tão ilusório? De facto, o lado Israel/EUA, nessa disputa, não deseja realmente a “paz” nesse conflito. A beligerância e a guerra são desejadas pelos EUA e pela Europa (como forma de manter destabilizados os países arabo-palestinianos ricos em recursos que mandam petróleo e compram armas ao Ocidente) e são uma tábua de salvação para essa cunha lá espetada e pobre em recursos que é Israel…”
Um amigo sugeriu-me que uma das razões para a falta de atenção da mídia à Costa do Marfim é o limitado número de utilizadores do Twitter e de outras redes virtuais nesse país. Isso pode influenciar o tipo e a quantidade de informações que chegam do país, mas não é certamente uma razão para a falta de cobertura noticiosa. Um Twitter activo é o de Toussaint Alain, colaborador de Laurent Gbagbo, que, num tweet acusa Ouattara de estar metido em “rituais satânicos ao serviço da ambição política”:
“Alassane Ouattara ou a política dos corpos queimados. Rituais satânicos ao serviço de uma ambição política.”
Um outro, @marticotivoir escreve que espera que o país não se afunde num novo Ruanda:
“Não deixemos que uma Costa do Marfim descontrolada se torne amanhã o Ruanda da África Ocidental. Desculpem, Lmpistas, reajam.”
Fonte: Passa Palavra -- http://passapalavra.info/?p=
0 comentário(s):
Postar um comentário
Deixe sua sugestão, crítica ou saudação juntamente com seu contato.