O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, como amplamente divulgado.
Compartilhamos este momento de alegria, neste final de ano, com todos que assinaram o manifesto enviado ao Supremo Tribunal Federal (na ADPF 153).
A demanda da Corte foi proposta pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do RJ e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo (CFMDP-SP).
Algumas entidades ingressaram como "amicus curiae", dentre elas a Associação Juízes para a Democracia, que requereu a preocedência do pedido, especialmente, no tocante à Lei de Anistia, principal obstáculo para a investigação dos crimes de lesa humanidade cometidos durante o regime militar e apresentou para a Corte a "Campanha Contra a Anistia aos Torturadores", realizada por todos nós subscritores, que em curto periodo reuniu cerca de 21.000 assinaturas, homens e mulheres, de diversos segmentos e áreas de atuação, indicativo que parcela significativa do povo brasileiro não aceita a manutenção desta violação até os dias de hoje.
A Corte decidiu pela incompatibilidade da lei da anistia com o direito internacional e a Convenção Americana.
Estabeleceu que o Brasil violou o direito à justiça, pois deixou de investigar, processar e sancionar os crimes, em virtude da interpretação da Lei de Anistia brasileira, reafirmada pelo STF, permitindo a impunidade dos crimes contra humanidade praticados durante a ditadura.
Determinou remover todos os obstáculos práticos e jurídicos para a investigação de graves violações de direitoshumanos cometidos durante a ditadura militar, tais como a prescrição, a irretroatividade da lei e coisa julgada, a fim de assegurar o pleno cumprimento da sentença e que os processos não devem ser examinados pela justiça militar, além de dar pleno acesso aos familiares das vítimas às investigações e julgamentos.
Abaixo, alguns trechos da sentença, que dizem mais proximamente ao decidido na ADPF.
A íntegra da sentença você pode ler em : http://bit.ly/fCiqkW
"A luta que se perde é aquela que se abandona".
Agora e em 2011, outros caminhos devem ser construídos para a execução da sentença.
Alguns trechos da sentença:
“171. [...] [P]ara efeitos do presente caso, o Tribunal reitera que “são
inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o
estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a
investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos
humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou
arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por
violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos
Direitos Humanos”.
172. A Corte Interamericana considera que a forma na qual foi interpretada e
aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil [...] afetou o dever
internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de
direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso
fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção
Americana, e violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do
mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução,
captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo
também o artigo 1.1 da Convenção. Adicionalmente, ao aplicar a Lei de
Anistia impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e
eventual sanção dos possíveis responsáveis por violações continuadas e
permanentes, como os desaparecimentos forçados, o Estado descumpriu sua
obrigação de adequar seu direito interno, consagrada no artigo 2 da
Convenção Americana.
174. Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana, as
disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção
de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos. Em
consequência, não podem continuar a representar um obstáculo para a
investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição
dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos
de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana
ocorridos no Brasil.
175. Quanto à alegação das partes a respeito de que se tratou de uma
anistia, uma auto-anistia ou um “acordo político”, a Corte observa, como se
depreende do critério reiterado no presente caso [...], que a
incompatibilidade
em relação à Convenção inclui as anistias de graves violações de direitos
humanos e não se restringe somente às denominadas “autoanistias”. [...]”
176. Este Tribunal estabeleceu em sua jurisprudência que é consciente de
que as autoridades internas estão sujeitas ao império da lei e, por esse
motivo, estão obrigadas a aplicar as disposições vigentes no ordenamento
jurídico. No entanto, quando um Estado é Parte de um tratado internacional,
como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes,
também estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos
das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de
normas contrárias a seu objeto e finalidade, e que desde o início carecem de
efeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está
internacionalmente obrigado a exercer um “controle de convencionalidade” ex
officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no
marco de suas respectivas competências e das regulamentações processuais
correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não
somente o tratado, mas também a interpretação que a ele conferiu a Corte
Interamericana, intérprete última da Convenção Americana.”
177. No presente caso, o Tribunal observa que não foi exercido o controle de
convencionalidade pelas autoridades jurisdicionais do Estado e que, pelo
contrário, a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da
interpretação da Lei de Anistia, sem considerar as obrigações internacionais
do Brasil derivadas do Direito Internacional, particularmente aquelas
estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com os
artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. O Tribunal estima oportuno recordar
que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente
contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a
responsabilidade internacional dos Estados, respaldado pela jurisprudência
internacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas
obrigações convencionais internacionais de boa-fé (pacta sunt servanda).
Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados não podem, por razões
de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações
convencionais dos Estados Parte vinculam todos sus poderes e órgãos, os
quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus
efeitos próprios (effet utile) no plano de seu direito interno.
179. Adicionalmente, com respeito à suposta afetação ao princípio de
legalidade e irretroatividade, a Corte já ressaltou (supra pars. 110 e 121)
que o desaparecimento forçado constitui um delito de caráter contínuo ou
permanente, cujos efeitos não cessam enquanto não se estabeleça a sorte ou o
paradeiro das vítimas e sua identidade seja determinada, motivo pelos quais
os efeitos do ilícito internacional em questão continuam a atualizar-se.
Portanto, o Tribunal observa que, em todo caso, não haveria uma aplicação
retroativa do delito de desaparecimento forçado porque os fatos do presente
caso, que a aplicação da Lei de Anistia deixa na impunidade, transcendem o
âmbito temporal dessa norma em função do caráter contínuo ou permanente do
desaparecimento forçado.”
“256. [...] o Estado deve conduzir eficazmente a investigação penal dos
fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar as
correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e
consequências que a lei disponha7. Essa obrigação deve ser cumprida em um
prazo razoável, considerando os critérios determinados para investigações
nesse tipo de caso, inter alia:
[...]
b) determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado
das vítimas e da execução extrajudicial. Ademais, por se tratar de violações
graves de direitos humanos, e considerando a natureza dos fatos e o caráter
continuado ou permanente do desaparecimento forçado, o Estado não poderá
aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores, bem como nenhuma outra
disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa
julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade
para eximir-se dessa obrigação. [...]
“257. Especificamente, o Estado deve garantir que as causas penais que
tenham origem nos fatos do presente caso, contra supostos responsáveis que
sejam ou tenham sido funcionários militares, sejam examinadas na jurisdição
ordinária, e não no foro militar. Finalmente, a Corte considera que, com
base em sua jurisprudência, o Estado deve assegurar o pleno acesso e
capacidade de ação dos familiares das vítimas em todas as etapas da
investigação e do julgamento dos responsáveis, de acordo com a lei interna e
as normas da Convenção Americana. Além disso, os resultados dos respectivos
processos deverão ser publicamente divulgados, para que a sociedade
brasileira conheça os fatos objeto do presente caso, bem como aqueles que
por eles são responsáveis.”
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