A luta para resgatar a Primavera Árabe

180711_Primavera_ArabeEsquerda - [Tradução de Marco Aurélio Weissheimer para a Carta Maior] Seis meses após a Primavera árabe derrubar o seu primeiro ditador, as principais praças do Cairo e de Túnis foram novamente palco de protestos contra as autoridades interinas nestes países. Por Ghaith Abdul-Ahad, Jack Shenker, Nour Ali, Martin Chulov e Ian Black, The Guardian

As revoluções históricas que abalaram o mundo árabe ao longo deste ano estavam a correr o risco de colapsar quando, na noite de sexta-feira, os manifestantes voltaram às ruas para professar a sua repulsa à forma como o movimento está a ser bloqueado por regimes antigos e novos.
Seis meses após a Primavera árabe derrubar o seu primeiro ditador, as principais praças do Cairo e de Túnis foram novamente palco de protestos, gás lacrimogéneo e fúria contra a resistência à mudança demonstrada pelas autoridades interinas nestes países. Na Síria, activistas disseram que pelo menos 19 pessoas foram mortas na última repressão contra os protestos que têm convulsionado o país há mais de quatro meses. Pelo menos sete pessoas morreram no Iémene em meio a um limbo político que parece não estar perto de uma solução. E na Jordânia um forte esquema de segurança policial acompanhou manifestações pró e anti-reforma que acabaram por se tornar violentas.
As cenas serviram como um lembrete de que, após a euforia da Primavera árabe, poucos avanços concretos na direcção das reformas pretendidas ocorreram. As eleições na Tunísia e no Egipto foram adiadas. As propostas de reforma no Iémene e na Síria têm sido rejeitadas como inadequadas.
Egipto
Milhares de manifestantes foram para praças públicas de todo o país, numa "sexta-feira de advertência final" para a junta militar, em meio a temores de que a revolução que derrubou Hosni Mubarak está a ser traída por forças conservadoras.
Manifestações e greves de fome foram registadas desde Alexandria, na costa do Mediterrâneo, até Luxor no sul e Suez, no leste, com o foco principal, mais uma vez na praça Tahrir, no Cairo, onde um grande acampamento já dura mais de uma semana e não mostra sinais de acabar.
Os manifestantes acusam o Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF), que assumiu o poder após a queda de Mubarak e prometeu abrir caminho para um governo civil democraticamente eleito no final deste ano, de sufocar as reivindicações revolucionárias, trabalhando para proteger os elementos do velho regime de uma mudança política.
"Como muitos têm dito no Facebook, a relação entre a população e o SCAF é o mesmo que o relacionamento entre uma mulher e um marido que ela sabe que está a ser infiel", disse Alaa El Shady Din, um manifestante na praça Tahrir.
"Ela tolera a infidelidade num primeiro momento, num esforço para não destruir a família e magoar as crianças, mas logo percebe que o marido não se importa nem um pouco com a família", acrescentou.
"No começo, mentimos a nós mesmos, queríamos acreditar que eles estavam connosco. Mas agora as ruas estão a acordar e dizer ao conselho “nós somos os governantes e vocês obedecem às nossas ordens; não o contrário. Nós somos a maldita linha vermelha e vocês não devem atravessá-la”.
Assim como a maioria dos manifestantes, El Din estava furioso esta semana por um comunicado do porta-voz da SCAF, Mohsen El-Fangari, que alertou contra aqueles que procuram "perturbar a ordem pública" e adoptou um tom que lembrou Mubarak nos seus discursos finais à nação. A pressão está a aumentar sobre o primeiro-ministro interino, Essam Sharaf, que parece incapaz ou não quer forçar mudanças políticas significativas em face da intransigência dos generais. Muitos de seus apoiantes originais começam agora a pedir a sua saída.
Tunísia
Alguém que estivesse visitando a capital da Tunísia pela primeira vez não diria que uma revolta popular ocorrera ali nos últimos seis meses. Policiais armados com cassetetes, gás lacrimogéneo e cães reprimiam uma pequena multidão de manifestantes que se reuniu para expressar um sentimento amplamente difundido na cidade: que a revolução foi construída em cima da areia e acabou bloqueada por um governo que tem feito pouco para implementar as exigências dos revolucionários.
A sede do governo central (Qasbah) foi cercada por rolos de arame farpado e veículos blindados, enquanto os manifestantes com bandeiras tunisinas gritavam "paz, paz". Então o problema começou. A primeira granada de gás vomitou uma espessa fumaça branca e foi rapidamente seguida por muitas outras. Os manifestantes correram para se esconder nas sombras da noite em meio a uma espessa nuvem de fumo branco.
Dois homens lançaram-se ao chão, de joelhos e com o peito nu, enfrentando a polícia. Um terceiro aparou uma bomba de gás que passou rodando e jogou-a de volta contra os policiais. Assim que o fumo se dispersou, os manifestantes regressaram, com o reforço de algumas centenas de pessoas. Alguns começaram a atirar pequenas pedras contra a polícia.
"As pessoas que me torturaram ainda estão lá", disse Malek Khudaira apontando para o ministério onde foi mantido por 10 dias durante o levante que derrubou o ex-ditador Zine al-Abidine Ben Ali.
"Como posso sentir que há mudanças ou que houve uma revolução total, se tudo está na mesma coisa; eu vejo os torturadores a andar nas ruas todos os dias."
Por horas, seguiu-se um jogo de ataque e contra-ataque entre manifestantes e polícias. Os manifestantes marchavam e a polícia lançava bombas de gás no meio deles. Um homem de calças pretas, camisa branca e óculos de sol estava de frente para a polícia quando um projéctil atingiu a sua barriga. Caiu onde estava e foi socorrido por outros manifestantes.
Os organizadores da manifestação chamaram-na de “Qasbah 3". A número 1 foi o levante que derrubou Ben Ali e forçou-o a fugir. A número 2 foi a mobilização que derrubou o primeiro governo provisório, um mês depois.
Síria
Activistas relataram pelo menos 19 mortes em toda a Síria e dezenas de feridos quando as pessoas se reuniam para as suas orações semanais, que têm sido usadas como um ponto de mobilização para a dissidência há mais de quatro meses.
Pesados conflitos foram relatados em pontos da capital, segundo relatos e contas amplamente divergentes de activistas e dos média estatais. Pelo menos sete manifestantes foram mortos a tiros em bairros de Damasco, em mobilizações que reuniram algumas das maiores multidões já registadas desde que os protestos iniciaram.
As forças de segurança têm usado cassetetes e gás lacrimogéneo em Damasco para reprimir os protestos no coração do poder do regime. Dezenas de pessoas ficaram feridas nas cidades de Aleppo, Deraa, Idleb e Homs.
As autoridades sírias novamente culparam grupos armados pela violência – uma referência indirecta aos activistas islâmicos acusados de tentar inflamar o “caos sectário”. No entanto, activistas disseram que manifestantes desarmados foram novamente atacados por soldados que dispararam rajadas contra a multidão.
Os actos de violência tem sido imprevisíveis, mudando de local o tempo todo. Em Homs, um morador do bairro abastado de Inshaat disse que as forças de segurança pareciam estar a tentar evitar mortes. "Eles foram atirando, mas pareciam estar a visar as pernas e não as cabeças".
Dois dos maiores protestos ocorreram em Hama e Deir Ezzor, num dia em que activistas estimaram que até 1 milhão de pessoas podem ter desafiado abertamente o regime em todo o país.
Jordânia
Dez pessoas, a maioria delas jornalistas, ficaram feridas sexta-feira quando a polícia jordana interveio em confrontos entre manifestantes pró-reforma e partidários do governo em Aman.
Centenas de manifestantes pedindo mudanças políticas e um fim à corrupção reuniram-se no centro da capital. Não ficou claro se iriam ignorar os avisos oficiais contra a realização de concentrações do tipo das realizadas no Egipto e no Bahrein.
A Jordânia vive conflitos esporádicos desde Janeiro, mas apenas em pequena escala. As exigências da oposição – apoiada por grupos de jovens, organizações da sociedade civil e os islâmicos – são para mudanças no quadro da monarquia Hachemita. O rei Abdullah assumiu o compromisso de implementar reformas que permitiriam a formação de futuros governos com base numa maioria parlamentar eleita, mas não fixou data para cumprir a promessa.
O slogan "o povo quer a reforma do regime" esteve em flagrante contraste com as exigências e revoltas noutros países que pediram o "derrube" dos governantes.
O protesto em Aman foi realizado com uma forte presença de forças de segurança, com a polícia e forças especiais cercando a área, disse o site Amom News.
Acções em defesa da reforma e contra a "corrupção desenfreada" também atraíram centenas de manifestantes nas cidades do sul de Tafileh, Maan e Karak, e em Irbid e Jerash, no norte.


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