Livro que chama golpe de ‘revolução democrática’ segue sendo usado nos colégios militares

Livro "História do Brasil: Império e República" segue sendo Colégio Militar | Foto: José Cruz/ABr
Felipe Prestes
Passados mais de 20 anos da primeira eleição direta para presidente após o período autoritário, os colégios militares brasileiros seguem ensinando aos alunos que o que ocorreu em 1964 foi uma “revolução democrática”, em reação ao comunismo. Quem chama atenção é a Associação Nacional de História (Anpuh), que pediu explicações ao Ministério da Educação após o caso vir à tona, no ano passado, mas recebeu como resposta a informação de o que o MEC nada pode fazer.
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A associação se refere ao livro “História do Brasil: Império e República”, de Aldo Fernandes, Maurício Soares e Neide Annarumma, que integra a Coleção Marechal Trompowsky, editada pela Biblioteca do Exército (Bibliex). O caso gerou polêmica em junho do ano passado, após a publicação de uma reportagem pela Folha de São Paulo.
A Anpuh pediu explicações ao MEC, mas o livro, lançado em 2001, continua servindo de base para o ensino de História no sétimo ano do ensino fundamental nos colégios militares brasileiros. O MEC alega que as escolas militares, assim como as particulares, têm autonomia pedagógica.
A Anpuh afirma que enviou uma carta em agosto do ano passado aos ministérios da Educação, da Defesa e à Casa Civil, manifestando sua preocupação diante da legitimação do golpe de 1964 no ensino de História dos colégios militares, o que trafega na contramão do conhecimento atual sobre o tema. “Que cidadãos estão sendo formados por uma literatura que justifica, legitima e esconde o arbítrio, a tortura e a violência?”, questiona trecho da carta.
Apenas o MEC, por meio da Coordenação Geral de Materiais Didáticos (Cogeam), respondeu à Anpuh, já na virada do ano, afirmando a impossibilidade de mudar esta situação. Em sua resposta, o órgão cita o artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que fala em “liberdade de aprender, ensinar, pesquisa e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”; e o artigo 83, que dá autonomia ao ensino militar e uma legislação específica.
Ensino afronta preceitos constitucionais
De acordo com Luis Fernando Cerri, integrante da diretoria da Anpuh e professor de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), legitimar o golpe militar na educação básica fere preceitos constitucionais. “Em uma democracia, liberdade é fazer tudo o que o que é possível dentro da lei. Entendemos que o ensino da História não pode ser feito desconsiderando nossos princípios atuais. Nossa Constituição proíbe várias práticas da ditadura militar, como a formação de grupos armados para tomar poder”, diz.
Além disto, Cerri aponta que o livro “História do Brasil: Império e República” não passaria no padrão de qualidade do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que distribui livros gratuitos para o ensino público em todo o Brasil. “O livro não passaria pela falta de organização da informação, pelo modo como são formuladas questões para os alunos e por não estar dentro discussões atuais da historiografia brasileira, do nosso atual estado de conhecimento”, afirma o professor.
Apesar de admitir as peculiaridades do ensino militar, Cerri sugere que seus livros, como o supracitado, passem pelo PNLD. Ele destaca que o ensino militar é feito com dinheiro público, bem como a produção dos livros e que, ainda assim, os alunos precisam pagar por eles. E que o programa nacional é bem-sucedido tanto na distribuição quanto na avaliação dos livros, feita por vários especialistas de cada área. “Poderiam submeter os livros à avaliação no PNLD. Caso aprovados, eles seriam distribuídos gratuitamente aos alunos, e os especialistas poderiam apontar questões para haver um aprimoramento”, diz.
Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação de Secretaria Nacional de Educação Básica, responsável pela Cogeam, afirmou que o órgão não se pronuncia sobre o tema, porque o ensino militar tem autonomia pedagógica, assim como as escolas particulares. O MEC só se pronuncia acerca dos livros distribuídos pelo PNLD às escolas públicas.
Sul21 entrou em contato na terça-feira com o Departamento de Ensino Preparatório e Assistencial do Exército (Depa), responsável pelo ensino dos colégios militares, que repassou a questão à Central de Comunicação do Exército. Até esta quinta, a resposta não havia chegado.

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