Dois dias atrás Ricardo me enviou um email pedindo um texto de repúdio às declarações absurdas da deputada estadual Myriam Rios. Respondi que estava muito sem tempo, mas que já havia tuitado contra o vídeo (inclusive ajudando a divulgar esta paródia), e querendo saber se ele não poderia escrever um guest post. Ele atendeu prontamente. Muitíssimo obrigada, Ricardo!
Também recebi algumas charges do Lucas referentes ao meu postexplicando a estupidez que é um dia de orgulho hétero. Lucas, deCuritiba, já tinha me presenteado comesta homenagem. Vou usar essas charges para ilustrar parte do guest post do Ricardo Medeiros.
“Por favor, quais são sua habilidades?”
“Como a senhora pode ver, tenho excelentes referências! Trabalhei com renomadas famílias, e tenho boas qualificações.”
“É bem verdade, percebo um curriculum notável, e já providenciei a veracidade das referências. Estou realmente impressionada!”
Depois de uma longa avaliação do curriculum, e da pessoa a suafrente, vem a pergunta:
“Só mais uma coisa: Qual a sua orientação sexual?”
“Hein? Como assim?”
“Hum, como posso explicar? O senhor é, digamos, homem ou... quer dizer, o senhor é heterossexual ou homossexual?”
“Ah, sim entendi. Não sei exatamente qual a relevância disso, mas já que a senhora perguntou, sou homossexual.”
“Hum... Bem, seu curriculum profissional é excelente, masprocuro uma pessoa com outro perfil, obrigada.”
“Mas a senhora fez averiguações e confirmou dados, como meu perfil não serve?”
“Tenho dois filhos, dois meninos, um de 5 e outro de 8 anos, e não quero que eles sofram algum tipo de ação pedófila por parte do senhor. Não me leve a mal, mas sou mãe, católica e missionária, e tenho esse direito. E não aceito ser chamada de preconceituosa.”
O que pensar desse pequeno diálogo? Seria possível? Imaginável? Passível de realidade? Pasmem! É o que dias atrás fez na plenária a deputada estadual pelo PDT Myriam Rios, antes de votar contra a PEC 23 -– uma emenda que coloca como crime discriminação por orientação sexual, juntamente com racismo e afins.
O diálogo é apenas uma ilustração, mas o pronunciamento é real e diz exatamente isso. A deputada, desprovida de qualquer informação, levanta bandeiras preconceituosas vinculando homossexualidade à pedofilia. Na fala da digníssima há uma série de equívocos. Confunde-se orientação com opção e identidade de gênero; relega-se TODOS os homossexuais a uma sexualidade irresponsável, desenfreada e criminosa como a pedofilia. Afinal de contas, em explicações claras da representante do povo, ela coloca que uma babá lésbica poderia cometer atos pedófilos contra suas duas filhas, ou um motorista travesti poderia bolinar seus meninos.
Observando bem o vídeo, faz-se a leitura de muitas submensagens. Estranhamente a senhora deputada diz-se desprovida de preconceitos e atos discriminatórios, mas quer ter o direito de não contratar homossexuais como funcionários, não levando em conta competência, experiência, produtividade etc, mas apenas a orientação sexual de cada um. Afinal, como ela mesmo diz: “Eles fizeram suas escolhas, que posso eu fazer?” Excluir! Sim, essa é a resposta. A mãe devotada, missionária religiosa, representante eleita exclui, pura e simplesmente, e isso não é visto por ela como preconceito, e sim como prevenção. Ela defende o direito de escolha, direito este que em momento algum a tal emenda quis suprimir –- afinal, admitir e/ou demitir um funcionário perpassa por muitas situações. No entanto,o que impressiona não é a liberdade de escolha que ela defende, mas a justificativa: homossexuais usurpariam seus rebentos através de atos violentos como a pedofilia. Seu repúdio também se justifica pelo fato dela e de sua família serem heterossexuais e portanto comprometidos com a perpetuação da espécie.
Historicamente falando, apenas para ilustrar, vale dizer que, em nome dessa mesma perpetuação, o nazismo mandou milhares de homossexuais aos campos de concentração e consequentemente à morte certa.
“A turba ensandecida aguarda a voz de comando para começar o massacre.” Qual é a voz de comando? Não contratem homossexuais, que eles poderão violentar suas crianças. Em outros tempos seria cortem-lhes as cabeças, mande-os à fogueira, mas hoje vive-se a Inquisição Contemporânea. É exatamente isso que vídeos, pronunciamentos e opiniões irresponsáveis de pessoas formadoras de opinião podem suscitar.
Existem homossexuaispedófilos sim, isso é fato. Mas a maioria esmagadora dos casos de pedofilia registrados são de heterossexuais, e uma boa parte pais de família (pesquisa da USP revelou que 70% das crianças estupradas com menos de 10 anos são vítimas de seus pais ou padrastos).
Sou homossexual e meu estereótipo deixa claro qual minha orientação sexual. Também sou professor há quase vinte anos. Hoje estou na Secretaria de Educação de Brasília, mas também já trabalhei na área privada. Já trabalhei inclusive em escolas católicas e nunca, nunca passei algum constrangimento ouadvertência ou ainda qualquer tipo de violência deliberada quer por parte dos meus alunos e seus pais, quer por parte dos meus empregadores. E, obviamente, nunca desrespeitei as crianças de qualquer forma.
Mas imagine se a turba segue a voz de comando da deputada! Eu e boa parcela da sociedade estaríamos desempregados, rotulados, condenados com a chancela de quem é pago, inclusive por mim, para criar leis que tornem o mundo mais tolerável. Terrível saber que há pessoas querendo fazer com que um Estado que deveria ser laico mantenha o direito de discriminar quem não gosta.
É triste, é medonho, é lamentável, é doentio, é um escândalo! Imputar crime a todo um grupo, só porque ele não segue a orientação sexual padrão, é um desrespeito que a sociedade como um todo não pode permitir. Ou isso, ou a barbárie.
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